terça-feira, 27 de junho de 2017

EU ACEITO!

21/06/2017 - Pré cirurgia

Depois de tudo que passei no último ano, hoje eu cheguei à conclusão que não existe uma maneira correta de agir e reagir às situações difíceis, não há nenhuma "receita de bolo" que faça você assimilar melhor as más notícias e nem lidar bem com elas. Lembro-me de dizer com todas as letras no ano passado, que se estivesse no lugar de uma amiga que estava com câncer, eu ficaria desesperada e não seria tão forte como ela. Ledo engano, só descobrimos a nossa força quando estamos verdadeiramente passando por aquilo, isso porque temos a infeliz tendência de subestimarmos nossas capacidades e superestimarmos nossos defeitos, com receio de parecermos presunçosos e arrogantes. O grande problema disso é que vivemos a maior parte das nossas vidas idealizando um personagem que une tudo aquilo que queremos ser a tudo aquilo que achamos que somos, e essa visão de nós mesmos é muito rasa. Não é fácil olhar para dentro sem nenhum tipo de filtro, sem pudor, preconceito e sobretudo sem julgamentos, mas quando conseguimos atingir esse nível de intimidade, em que reconhecemos verdadeiramente tudo que temos de bom e de ruim, passamos a otimizar nossas reações e consequentemente passamos a lidar melhor com situações difíceis.

Hoje, por reconhecer o peso de toda a bagagem que carrego pelos caminhos da vida, lido com algumas situações de maneira muito diferente de antes, e não é porque estou mais calejada mas sim por aceitar que coisas boas ou ruins aconteçam comigo. E aí que está a palavra mágica: aceitar. Quando entendi que podia até fazer tudo "certo" e ainda assim coisas ruins aconteciam, que podia planejar um futuro incrível e que nem sempre ele se concretizaria como eu imaginava, aí entendi que não tinha o controle total sobre a minha vida e diante das situações adversas só me restava aceitar. Pode parecer óbvio que nós não temos esse controle sobre tudo, mas não para mim que vivia sempre planejando os próximos passos. Quando parei de sofrer, recusar, questionar, remoer e um monte de outras coisas que a gente sempre faz para tentar entender o porquê determinadas situações acontecem, descobri o poder do "aceitar". E veja bem, não estou dizendo que sou passiva, daquelas que aceita qualquer coisa numa boa e sem sentir nada, eu só não luto contra algumas situações, eu sofro mas não me desespero. O desespero diante de algo ruim não faz o peso a ser carregado diminuir e muito menos encurta a distância do caminho que temos que percorrer, o desespero é puro desperdício de energia.

Eu resolvi aceitar o que a vida tem para me oferecer, vivo todas as situações que me são impostas fazendo tudo aquilo que está ao meu alcance para que cada instante seja proveitoso de alguma forma.
Sim, eu aceito.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

TUDO PODE MUDAR

Parque Ibirapuera (16/06/2016) - Arquivo pessoal
Depois de me curar do câncer senti uma certa dificuldade em me adaptar a nova vida que tinha acabado de ganhar, pois a sensação  de poder "começar do zero" e aproveitar cada segundo pulsava no meu corpo, mas ao mesmo tempo eu não sabia por onde começar a viver. Todas as noites eu sentia a necessidade de reavaliar as minhas escolhas e ter a certeza de que eu estava 100% feliz, porque não acredito que tenho que me contentar com 99,9% de felicidade quando posso ser completamente feliz, não depois de tudo que passei. Quem inventou essa história de que "não se pode ter tudo"? Para mim, a felicidade plena pode ser atingida quando damos o peso correto para cada prioridade da nossa vida, algo não muito simples de se fazer mas que pode ser possível, a partir do momento em que você consegue olhar pra si e identificar o que você faz e o que não faz, para que sua existência não tenha sido em vão. A felicidade é isso, o resto é desejo físico e conquista material ou afetiva que colocamos como imposição para atingirmos esse estado.

Essas ideias, teorias, conclusões e memórias faziam a minha mente, que desde sempre era hiperfuncionante, beirar quase um colapso. Então para organizar meus objetivos e metas de vida, escoava esse grande volume de pensamentos e planos em textos particulares, já que ideia de escrever um blog não me agradava no início pois achava que esse meio de comunicação era obsoleto. Escrevia a mão em cadernos - adoro esse tipo de escrita - ou no próprio Word, no entanto um amigo me chamou a atenção para algo muito óbvio: textos escritos e não lidos são um desperdício de imaginação e fogem completamente do princípio fundamental da existência de uma palavra, de ser lida ou ouvida e sobretudo interpretada/assimilada. Os meus grandes desafios eram, ultrapassar o grande pré conceito que formei sobre a minha própria capacidade de criação, e passar a acreditar que a minha história poderia ser interessante ao público, só que não precisei me esforçar muito para deixar de me subestimar, o destino se encarregou de fazer essa transformação em mim de forma bem rápida.

Dia 16/06/2017, uma linda sexta-feira de um feriado prolongado, praticamente o aniversário de um ano - 17/06/2016 - do dia em que fui ao Mastologista para investigar o nódulo recém descoberto, resolvi correr no parque Ibirapuera, aqui em São Paulo, apesar de não ser o local que costumo treinar normalmente. (Ainda não tenho nenhuma teoria definida sobre as coincidências que aconteceram na minha vida, mas vou escrever um texto para contar todas elas e o que sinto quando acontecem). No meio da corrida eu comecei a me sentir mal e não era nada físico, era algo que eu referi como "um vazio" e "uma angústia", e decidi sentar à beira do lago para entender aquelas sensações. Esse é um costume que adquiri depois do câncer, sempre que sinto algo que não posso explicar, eu paro tudo que estou fazendo para olhar lá dentro do meu coração e decifrar o motivo e a solução. Fiquei quieta, escutando uma linda música de fundo que orquestrava suavemente os últimos acontecimentos da minha vida, como se fosse uma cena de filme. Algumas lágrimas transbordaram sem nenhuma causa aparente, vazaram dos meus olhos como se fosse o único fluxo que pudessem seguir e eu aceitei. Meu marido perguntou se eu estava triste e sinceramente eu disse que não - nem todos podem compreender que o choro não é sinônimo de algo ruim ou doloroso - na verdade eu estava reflexiva. Ficamos ali juntos de mãos dadas, apreciando cada segundo daquele momento até a mente esvaziar, e então decidimos voltar para casa.

Acho que não vou conseguir esquecer nessa vida o medo que senti quando olhei para o lado e vi aquele carro vindo rapidamente na nossa direção e nem o barulho estrondoso do carro batendo no nosso. Eu só consegui pensar: Não acredito que depois de tudo isso, é assim que tudo acaba! Fiquei esperando para ver como era o momento da morte mas ele não chegava, e quando o carro capotou eu segurei minha cabeça pensando que poderia evitar alguma lesão na medula se eu não morresse, e aguardei. Quando o carro parou e percebi que ficaria viva, comecei a gritar perguntando se meu marido estava vivo e a sensação mais gratificante do mundo envolveu o meu coração, quando ele respondeu que estava tudo bem - agora sim sentia alívio por ter sobrevivido. Depois do choque e enquanto precisava ficar imóvel esperando o serviço de Emergência, fiquei ali deitada no capô - o carro parou de rodas para cima - chorando e pensando, até concluir que depois de tudo isso é para eu estar viva, que nesse momento o meu lugar é nesse mundo e ponto.

E por que estou contando essa história?
Porque depois de pensar em dois momentos que eu poderia morrer e que todas as palavras que escrevi poderiam morrer comigo, sem ao menos terem sido lidas por uma pessoa sequer, eu resolvi criar esse blog e compartilhar minha jornada a quem se interessar, com direito a todos os anseios, angústias, dúvidas, medos e erros que permeiam a vida real.

Sejam bem vindos a minha vida de paciente oncológica, que busca transcender o que chamam de sobrevida para uma vida plena, intensa e feliz.