sexta-feira, 7 de julho de 2017

Ainda bem que vida não volta ao normal


Há um ano atrás eu recebia a notícia que marcou permanentemente a minha alma! Sim, o câncer produz  marcas que vão muito além das diversas cicatrizes e das mutilações no corpo, porque ele nos invade por completo e afeta as mais íntimas emoções que possuímos, atinge o âmago da nossa essência e modifica de forma definitiva a visão que temos da vida e sobretudo de nós mesmos.

Depois de sentir o corpo inteiro gelar e tremer ao receber o diagnóstico, e que pensei: agora acabou para mim de uma vez por todas...não tem como não se transformar. Depois de sentar milhares de vezes diante de incontáveis médicos, que despejaram sobre mim uma enxurrada de informações complexas de um mundo completamente desconhecido e temido, sobre riscos, chances de cura, chances de metástase, tratamentos e efeitos colaterais...não tem como não se transformar. Depois de conseguir reunir todos os pedacinhos do meu coração partido sentindo que podia vencer qualquer batalha, e veio aquele líquido vermelho que entrou queimando as minhas veias, me levando do céu ao inferno em questão de horas, atropelando meu corpo e matando todo o tipo de célula dele, não só as células cancerígenas mas também um pouquinho daquelas cheia de vida que carreguei por anos...ah, não tem como não se transformar.

O câncer nos força a despir a maneira como enxergamos o mundo, nos obrigando a encarar as pessoas, as situações e principalmente a nós mesmos, sem nenhum tipo de filtro, sem pudor, sem vergonha e sem preconceito, pois é só dessa maneira que podemos seguir em frente e lutar com todas as forças que essa doença demanda. Depois de olhar meu rosto inúmeras vezes no espelho, completamente modificado, marcado e sem reconhecer direito a imagem que via, enfim consegui enxergar muito além daquilo que ele refletia, olhei para mim mesma de uma maneira tão profunda como nunca havia feito antes e percebi que estava marcada para sempre, depois de me enxergar daquele jeito minha vida nunca mais seria a mesma.

Por muito tempo eu só consegui olhar, refletir e questionar a minha vida antes do câncer e durante o enfrentamento da doença, para mim foi muito difícil olhar para frente e retomar o caminho de antes que havia sido interrompido, demorei a entender que eu não precisava e nem queria mais levar a vida da mesma forma. Foi necessário muito esforço e muita entrega para que eu me permitisse começar do zero, para que eu redescobrisse gostos, desejos, sonhos e sabores sem cobranças internas e para que eu assumisse novos planos e metas, compreendendo a magia da vida não voltar ao normal, graças a Deus!

quarta-feira, 5 de julho de 2017

SEGUINDO EM FRENTE

Há um ano atrás eu estava vivendo uma semana complicada e aguardada com muita ansiedade e expectativa, havia me submetido a uma biópsia dolorida que poderia mudar a minha vida, o resultado do exame estaria disponível numa quinta feira, dia 07/07/2016 e o desconforto que sentia em consequência do exame atrapalhava minha rotina, mas minha vida tinha que seguir em frente. Vinha de um final de semana de plantão e tive uma semana muito intensa no hospital, foi necessário muito esforço para reunir todo o meu conhecimento e assim executar as tarefas da melhor forma, porque embora estivesse fisicamente presente, minha cabeça vagava em direção a um mundo desconhecido e sombrio, só que minha vida tinha que seguir em frente. Eu estava emocionalmente exausta, psicologicamente debilitada e minha capacidade de pensar positivamente encontrava-se inibida, precisava conviver e me relacionar com as pessoas, precisava me portar diante de superiores, colegas de trabalho e dos acompanhantes dos pacientes no entanto só conseguia apresentar uma carcaça, porque minha vida tinha que seguir em frente.

Apesar dessa realidade anteceder o fatídico diagnóstico, ela representa muito como era a minha vida de uma maneira geral antes do câncer, desde os sentimentos e emoções exacerbados e reações sem controle até o automatismo com que eu vivia os dias sempre aguardando os próximos, seja o próximo final de semana, a próxima folga, o quinto dia útil ou o final do mês. Sinceramente não acredito que estava insatisfeita e nem de longe infeliz, mas com toda a certeza eu sei que tinha ligado o "piloto automático" da minha vida há algum tempo e por mais que seja difícil assumir, vejo que provavelmente estava desperdiçando a minha existência com coisas pequenas e irrelevantes, desperdiçando a vida do tempo presente por aguardar o tempo futuro para viver.

A grande questão é que eu não pensava sobre a possibilidade do meu tempo ser curto, mesmo vivenciando constantemente os óbitos de pacientes no hospital, mesmo lidando com bebês e crianças que deixavam esse mundo tão cedo, ainda assim eu pensava que se eu fizesse tudo "direito", tanto com a saúde do corpo e da mente, como ética e moralmente, era certo que meu tempo seria longo... mal sabia. Não estou dizendo que eu acho que vou morrer porque tive câncer, é que precisei ter câncer para achar que poderia morrer, e também não acho que posso morrer só de câncer, hoje tenho a certeza que a morte não precisa de desculpas, justificativas e explicações, não é necessário ter idade, doença ou falta de cuidado, quando chega o momento de morrer, simplesmente adeus, acontece sem consentimento e sem aviso. Precisei compreender a finitude da nossa existência para enxergar com clareza como eu estava deixando a vida passar diante dos meus olhos e embora essa descoberta tenha sido fundamental para o meu processo de autoconhecimento, foi muito difícil encarar que eu era responsável por tudo aquilo que eu deixei de fazer.

Resgatando tudo o que vivi até 07/07/2016 posso concluir que o saldo no dia de hoje é positivo, pois diante de tantos conflitos internos e externos que tive nesse último ano eu consegui VIVER cada dia, tanto o bom quanto o ruim, provei de todas as sensações que me foram impostas, sofri em alguns momentos e me fortifiquei em muitos outros, porque enfim são essas coisas que tem que acontecer realmente, afinal minha vida seguiu em frente.